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Além do plágio: Por que devemos nos importar com citações erradas na comunidade científica?

O uso de citações tem como propósito informar os leitores que determinado material usado em seu trabalho vem de outra fonte. Sempre que você citar, parafrasear ou resumir os elementos principais da idéia de outra pessoa em seu artigo, uma fonte ou referência precisa ser citada, seja ela referente a um livro, artigo ou autor. Este tipo de prática é particularmente enforçado em trabalhos acadêmicos.

Porém, de acordo com Jonathan Bailey – consultor de direitos autorais e plágio, muitos estudantes, especialmente os que estão no início de seus estudos acadêmicos, são pegos plagiando e se perguntando qual é o problema. Por que eles deveriam citar as suas fontes se todas as informações estão corretas? Não é mais importante do que seguir regras misteriosas de citação? Mas olhar para a citação de um ponto de vista puramente ético perde muito do propósito de citar fontes. A citação não é apenas fazer a coisa certa, é tornar a sua escrita mais forte e melhorar a qualidade de todas as suas pesquisas.

Seis benefícios de citações bem-feitas

Ou seja: além do óbvio motivo de evitar plágio, seja ele intencional ou não; citações e referências também têm outros papéis muito importantes. A Dra. Neeraja Sankaran, uma historiadora da ciência especializada na história recente de pesquisas biológicas e biomédicas, descreve alguns destes motivos:

  1. A atribuição serve como uma ferramenta de verificação de fatos. O próprio ato de procurar uma referência para verificação serve como uma verificação de precisão, por exemplo, para verificar novamente uma cotação direta, para garantir a fidelidade de uma passagem que você parafraseou ou para citar outro estudo relacionado ao seu estudo.
  2. Citação faz de você um pesquisador melhor. Algumas das características de uma boa pesquisa incluem atenção aos detalhes e a capacidade de discernir padrões e fazer conexões. Boas práticas de citação podem ajudar com ambos.
  3. Boas práticas de citação fazem de você um escritor melhor. A citação de fontes específicas para os vários fatos que apresentamos remove as marcas da preguiça intelectual, do pensamento vago e da escrita superficial. Quando você cita as fontes corretamente, não deixa dúvidas na mente de seus leitores a respeito de seu argumento.
  4. Uma boa bibliografia mostra o seu conhecimento científico. Uma extensa bibliografia é naturalmente uma marca registrada de um cientista amplamente lido e bem informado
  5. Práticas cuidadosas de citação aumentarão a sua credibilidade como cientista ou acadêmico. Quanto melhor documentada a sua pesquisa e argumentos, mais credível você é para os seus colegas científicos.
  6. A citação permite uma melhor verificação do seu trabalho. É muito mais provável que o seu artigo seja aprovado com críticas mínimas e feedback positivo se você já se deu ao trabalho de atribuir as suas informações corretamente e citar todas as suas fontes.

O efeito Hawthorne – como erros de citações perpetuam idéias equívocas

Contudo, citá-las corretamente é apenas parte do uso correto de citações. É igualmente importante saber interpretá-las e usá-las no contexto correto.

Um estudo, publicado no PLoS ONE por Kåre Letrud e Sigbjørn Hernes, da Universidade de Ciências Aplicadas de Lillehammer, Noruega, e comentado pela revista Nature, analisa citações de três artigos que criticam o chamado efeito Hawthorne. Semelhante ao efeito placebo, o efeito Hawthorne descreve um fenômeno em que o comportamento das pessoas muda quando elas sabem que estão sendo observadas ou fazem parte de um estudo. O efeito Hawthorne deve esse nome a uma série de investigações realizadas nas décadas de 1920 e 1930 na fábrica de Hawthorne, na Western Electric Company, em Illinois. Os pesquisadores observaram que a produtividade aumentou entre os trabalhadores que foram selecionados para participar do programa.

No entanto, como argumentaram os pesquisadores de saúde escandinavos Gustav Wickström e Tom Bendix em um artigo de 2000, existem inúmeras explicações alternativas para essas descobertas originais. O efeito Hawthorne, eles concluíram, é “ambíguo e discutível” e é “questionável se o termo tem uma função na avaliação dos resultados da pesquisa de intervenção”.

Letrud e Hernes recuperaram o texto completo de 196 artigos que citaram essa crítica. A esmagadora maioria deles – 155 no total – citou erroneamente Wickström e Bendix como tendo afirmado e não questionado a validade do efeito Hawthorne.

Do mesmo modo, Letrud e Hernes observaram padrões semelhantes para duas críticas anteriores, altamente citadas, do efeito Hawthorne. Um artigo de 1992 de Stephen Jones concluiu que “há evidências magras ou inexistentes de um efeito Hawthorne” nos estudos originais. Apesar disso, de 140 citações recuperáveis, 60 citaram o artigo como afirmando o efeito. Além disso, uma crítica de 1978 de Richard Franke e James Kaul com 277 citações recuperáveis foi citada 189 vezes como afirmação do efeito Hawthorne.

Ainda de acordo com Letrud e Hernes, apesar do rigoroso processo de revisão, uma vez que os conceitos errôneos proliferam por tempo suficiente, criticá-los não apenas se torna cada vez mais difícil, mas os esforços podem até contribuir para a disseminação contínua dos mitos. Isso ocorre em parte porque para autores que aceitam os questionamentos do Efeito Hawthrone, este se torna irrelevante e não é sequer mencionado. Isso pode explicar o pequeno número de autores que reiteram uma postura crítica em relação à teoria. Também é possível que a maioria dos citadores inicialmente era parcial ao Efeito Hawthorne. Portanto estes tendem a citar o Efeito Hawthorne em seus artigos como metodologia.

O exemplo do Efeito Hawthorne é um de muitos outros conceitos errôneos que tornam-se enraizados em publicações e debates acadêmicos, causando confusão, desinformação e minando a credibilidade científica. Outros exemplos citados por Letrud e Hernes incluem o baixo risco de dependência de opióides prescritos para dor crônica, o ‘Paciente Zero’ supostamente responsável pela epidemia de AIDS nos EUA, a lei de Yerkes-Dodson, os intermináveis ​​ciclos comportamentais da digger sphex, os estilos de aprendizagem, os modelos da pirâmide de aprendizagem.

Como revistas predatórias contaminam o mundo científico

Também é importante frisar o papel de revistas predatórias na disseminação de estudos não só contendo citações errôneas, mas também com conteúdo absurdo. Em um levantamento liderado por Rick Anderson, a publicação de estudos absurdos como Chocolate faz você perder peso e um artigo-paródia baseado em Star Wars por revistas predatórias foram citados na literatura acadêmica convencional em databases como Web of Science, Science Direct, and PLOS ONE apesar de suas absurdices. Isto demonstra a capacidade dessas revistas de contaminar o discurso científico e acadêmico.

O que podemos fazer?

É preciso ter cuidado ao assumir plágio ou má intenção quando deparamos com erros em citações e referências errôneas. Estes podem ser simplesmente devido ao descuido na edição, ou seja, misturando os nomes dos autores. Também podem resultar de preconceitos pessoais, ou seja, interpretação do conteúdo de um artigo em apoio à inferência de seu trabalho. Também é preciso levar em consideração a atual pressão para publicação. Autores são tentados a usar atalhos, e revisores e editores não têm tempo para fazer o seu trabalho corretamente. A solução deve vir exatamente das pessoas diretamente involvidas. Ou seja, é tarefa dos cientistas e acadêmicos aprender a maneira correta de lidar com citações e revisores devem impedir essa corrupção através de revisões mais rigorosas. Talvez seja a hora de estabelecer regras mais severas para o uso inapropriado ou errôneo de citações, com imediata rejeição de artigos onde plágio ou descaracterização de referências sejam comprovadas, e compensar editores e revisores pelo seu tempo, enfatizando a importância de uma revisão bem feita.

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