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Escrita concisa: nem tanto nem tão pouco

Muitos são os cuidados que devemos ter na redação técnica e científica e os vícios de linguagem que devemos evitar, na tentativa de escrever textos limpos, objetivos e de fácil acesso ao leitor, com uma legítima boa escrita acadêmica. Hoje vamos focar em uma dessas armadilhas: o empilhamento de substantivos.

O que é isso mesmo?

“Empilhamento de substantivos” é uma tradução livre para a expressão em inglês “nouns stack”. Esse termo também é referido como “noun clusters/strings”, ou seja, conjuntos ou correntes de substantivos. Apesar desse termo não ser comum, acredito que todos vão reconhecer logo a prática. Visualizamos esse problema no estilo de escrita quando substantivos são usados como adjetivos em sequência criando uma frase muito longa. Essa frase, no fim, é uma confusão de palavras encadeadas e tende a perturbar bastante o fluxo do texto. Um exemplo em genética molecular: “gene subset similarity scoring tool”, ou ferramenta de pontuação por similaridade de subconjunto de genes. Será que é realmente necessário escrever assim? Não parece uma complexificação deliberada do conceito?

Claro que existem razões por de trás do aparecimento e disseminação desse vício de escrita. Muitas vezes, simplesmente não tem mesmo uma palavra mais simples e objetiva que resuma aquele conceito. Isso ocorre porque a ciência e a tecnologia podem avançar mais rápido do que as linguagens. Outra razão pode ser quase um efeito reverso do estilo da escrita acadêmica. Como os textos devem ser enxutos e as frases curtas, esses empilhamentos de substantivos acabam surgindo na tentativa de compactar o texto. Talvez valeria a pena expandir aquela frase para manter a fluidez na leitura e favorecer a compreensão. Outra questão é a precisão: como geralmente precisamos de uma escrita com muita precisão, com explicações e descrições detalhadas, podemos acabar super-detalhando um substantivo. Ou às vezes o autor quer soar mais importante, e por isso adiciona uma complexidade descabida nas suas construções. Conscientemente ou não, essa prática pode dar uma impressão de maior relevância ou autoridade ao texto.

Também há pesquisadores que relacionam vários problemas na escrita acadêmica com a pressão pela publicação. Os pesquisadores estão tão focados em produzir dados e publicar artigos, que o processo de escrita fica em segundo plano. Acaba que não importa escrever tão bem, só escrever para conseguir publicar. Leia aqui essas e outras discussões interessantes sobre a escrita acadêmica.

Então afinal qual é o problema?

Sim, não é à toa que essas correntes de substantivos aparecem, mas o problema é que essa estrutura afeta e muito a leitura e a compreensão do texto. Primeiro, como já mencionamos, o texto fica simplesmente confuso. Claro que devemos evitar ser prolixos, mas esse empilhamento de palavras parece o extremo oposto, a concisão exagerada, então as palavras acabam perdendo o sentido. Não existe articulação suficiente entre as palavras, falta estrutura e tempo para acompanhar a ideia. Desse modo, o leitor precisa parar para prestar atenção a cada palavra e tentar captar o conceito. Obviamente não é um texto de fácil leitura.

Outro problema é que é fácil cair em ambiguidades quando retiramos essa estrutura que articula as palavras. A estrutura do inglês, que já é originalmente mais enxuta que da língua portuguesa e traz os adjetivos sempre antes dos substantivos, favorece a ambiguidade dessas expressões. Então vamos ver os exemplos em inglês: “We used a sensitive protein function monitoring system.” Certo, foi utilizado um sistema. Era um sistema sensível para monitoramento de função de proteínas? Ou as proteínas cuja função foi monitorada por esse sistema é que eram sensíveis? Perceberam como, mesmo prestando atenção a cada palavra o sentido não fica claro? A estrutura da língua portuguesa é mais robusta a esses empilhamentos, mas a comunicação científica se faz geral em inglês. Por isso é importante observarmos essas ocorrências para não cair nessa armadilha e melhorar os nossos textos.

Como melhorar então?

É fácil escrever empilhando palavras. Difícil fica pra quem lê. Então, agora vamos identificar essas ocorrências com facilidade e podemos evitá-las. Aqui vão alguns exemplos com dicas para resolver esses problemas na hora de escrever:

  • Às vezes, só adicionar hifens já melhora a estruturação e esclarece o sentido.

Por exemplo,

“data bound control table row action links” poderia ser escrito

“data-bound control-table row-action links”.

  • Uma estratégia essencial é questionar se todos esses elementos são realmente necessários.

Por exemplo,

“Macro virus population diversity” poderia ser escrito

“Macro virus diversity”, retirando a palavra “population”, que pode ser desnecessária em vários contextos; ou ainda

“The diversity of macro viruses”, com essa pequena alteração na estrutura, a leitura pode ficar bem mais simples.

  • Reescrever: modificando a estrutura. Devemos ter cuidado para não cair em outros problemas, mas muitas vezes é útil fazer essas alterações. Então vejamos mais um exemplo parecido com o último.

“reduced minimum OS partition space available requirement” poderia ser escrito

“reduction in the requirement for the minimum space that is available on an OS partition”. Sim, a frase ficaria bem mais extensa, mas ao menos é compreensível. Nem sempre menos é mais.

  • Outra alternativa é trocar os termos para simplificar. Vejamos o mesmo exemplo acima, mas de outra maneira, com duas dicas: vamos adicionar dois hifens e trocar um termo.

“reduced minimum OS partition space available requirement” poderia ser escrito

“reduced OS-partition free-space requirement”. Já ficou mais fácil!

O desafio, como sempre, é o equilíbrio.

OK, devemos detectar esses empilhamentos e “quebrá-los”, ou expandi-los. Desse modo o texto ficará mais longo. Como fica a concisão, uma das principais características da escrita científica? A concisão continua sendo fundamental. Não há conflito aqui. O objetivo é facilitar sempre a vida do leitor, para que ele leia o seu texto até ao fim e entenda. Não adianta um texto super enxuto, mas de difícil compreensão ou cheio de ambiguidades. Ter clareza no texto é mais importante que usar um número mínimo de palavras. Esses empilhamentos podem ser utilizados (desde que não sejam infinitos…) pois têm a sua utilidade. O segredo é utilizar expressões curtas com as quais o público já esteja familiarizado. Aprecie com moderação e sensatez, pensando sempre na experiência do leitor.

Leia aqui dicas práticas e exemplos sobre concisão na escrita.

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