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Porque não estamos prontos para uma mudança radical nos processos de publicação científica

Num artigo publicado este ano no site do The Guardian, o professor doutor Steve Caplan, pesquisador da área de bioquímica e biologia molecular e filiado à University of Nebraska Medical Center (em Omaha, EUA), questiona os atuais processos de publicação científica a partir das críticas do vencedor do prêmio Nobel de Medicina em 2013, Randy Schekman, aos mesmos. O principal alvo de Schekman é o chamado “fator de impacto” dos periódicos, relacionado à quantidade total de citações que os artigos publicados em determinado periódico recebeu. Tal valor serve para indicar o impacto do periódico e aferir-lhe credibilidade, embora, sendo uma soma total, o resultado seja passível a várias deformações. Para desfazer essa cadeia de valoração, distorcida a seu ver, Schekman chega inclusive a propor um boicote aos chamados “super periódicos”, aqueles mais renomados em sua grande área, que são Cell, Science e Nature. O objetivo do boicote seria desmistificar o “fator de impacto” em defesa de um modo de qualificação dos artigos publicados ligado não à publicação onde o trabalho foi aceito, mas à contribuição dada ao campo acadêmico. Ou seja: a verdadeira questão de Schekman é aquela de base que opõe qualidade versus quantidade e que atualmente tem gerado acalorados debates no mundo acadêmico em geral.

Com um discurso mais moderado que o de Schekman, Caplan também defende uma mudança de mentalidade no processo de qualificação do impacto de um trabalho que leve em consideração a contribuição dada ao campo acadêmico, mas reconhece que várias razões tornam o método de caráter mais quantitativo eficaz diante das dificuldades do cenário atual. Dentre essas dificuldades de avaliação, ele salienta a escassez de tempo dos profissionais acadêmicos envolvidos em processos de avaliação dada à rotina multitarefa de muitos, e a necessidade de se criar critérios precisos de rápida avaliação num contexto de recursos escassos. Para Caplan, critérios quantitativos de avaliação da produção acadêmica são uma espécie de mal necessário dentro deste contexto, por isso ele defende que o sistema de avaliação atual seja melhorado, ao invés de “boicotado”.

Segundo Caplan, propostas de mudança como a implantação de um sistema de publicação científica de acesso livre não cabem no contexto da ciência atual, no qual pesquisadores desenvolvem seus problemas de pesquisa muitas vezes a partir de lacunas deixadas por trabalhos anteriores de seus pares. Assim sendo, são necessárias formas de controle rigorosas que garantam a qualidade das pesquisas, e, para Caplan um caminho viável é investir e melhorar cada vez mais o processo de revisão por pares, fazendo realmente valer as correções e observações de pareceristas no processo de avaliação de trabalhos para publicação.

O Contexto Brasileiro

No Brasil, a questão da oposição entre quantidade versus qualidade no processo de avaliação da produção acadêmica dos pesquisadores também é um ponto que gera controvérsias, embora não exatamente pelas mesmas razões. Dado o fato de que as publicações brasileiras não possuem fins lucrativos (como ocorre no contexto norte-americano, de onde fala Caplan), deformações no processo de avaliação dos trabalhos que podem ocorrer por questão de capital – como a possibilidade que Caplan cita de que um artigo reprovado pelo parecerista possa a vir a ser publicado porque a publicação não quer perder o valor referente à submissão – não é uma questão que se coloque, mas critérios de avaliação que passam, por exemplo, pelo número de artigos publicados ou de orientações de mestres e doutores num dado período (em detrimento da qualidade da contribuição) é um fator criticado por muitos pesquisadores. O caráter não monetário das publicações nacionais parece também ajudar a fortalecer o duo revisão de pares e publicação científica como principal critério de avaliação editorial das publicações, contribuindo para que mesmo num contexto no qual a quantificação ainda é inevitável, a qualidade dos trabalhos passe pelo fundamental crivo da avaliação de seus pares.

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